O Procurador do Ministério Público de Contas da União Júlio Marcelo de Oliveira esteve em Florianópolis esta semana para participar do 10º Encontro Catarinense de Observatórios Sociais. Em sua palestra, Júlio falou sobre a situação delicada pela qual passa o país, especialmente, os órgãos de controle e de polícia.
Para o Procurador, há grandes chances de retrocedermos em alguns pontos no combate à corrupção. “Não podemos ser ingênuos em pensar que estamos evoluindo no combate à corrupção. Os últimos fatos, como novos entendimentos sobre cumprimento da pena a partir da segunda instância, restrições às investigações envolvendo dados do COAF e Receita Federal e a Lei de Abuso de Autoridade, são duros golpes no processo de combate à corrupção”. Júlio lembrou que, hoje, na Itália, cerca de 30 anos após a Operação Mãos Limpas, é mais difícil combater a corrupção. Ou seja, como a Lava Jato tem muita semelhança à operação italiana, o Procurador alerta para o mesmo risco.
Outro alerta feito pelo Procurador de Contas é sobre a tendência em esperarmos que um governo “nos salve”. “Não há governante salvador. Somos nós, cidadãos, que precisamos entender o que queremos e lutar por isso. Não podemos terceirizar essa responsabilidade”.
Pouco antes da palestra, Júlio conversou com a imprensa sobre alguns temas políticos e econômicos que podem impactar no sistema de controle do Brasil. Confira a entrevista.
Como o senhor avalia a decisão do ministro Dias Toffoli de suspender os processos onde há compartilhamento de dados pelos órgãos de controle e fiscalização?
A repercussão é péssima para os órgãos de controle. O combate à corrupção tem como alicerce a identificação de fluxos financeiros atípicos. Em todos os países onde se combate seriamente a corrupção, há uma coordenação entre as unidades financeiras para identificar esses fluxos. No Brasil, isso era feito pelo COAF e pela Receita. Na semana passada, após um pedido feito pela defesa de um investigado, o ministro, no exercício da presidência, concedeu medida de caráter geral, suspendendo centenas de investigações. Cerca de 700 processos estão paralisados no país.
O senhor poderia comentar a postagem feita em seu perfil do Twitter: “Pena que esse respeito que havia sido revigorado está se esvaindo com a mais equivocada decisão do STF em toda a sua história. O STF está criando o direito fundamental à impunidade e a democracia não consegue conviver com isso.”
Eu estava falando da decisão sobre segunda instância. Nosso processo penal é lento, com infinitudes de recursos. Se aguardarmos o trânsito em julgado para aplicar a pena, teremos impunidade. Quem tiver dinheiro para manter advogado em atividade recursal terá direito à impunidade. É criar o direito à impunidade para aqueles que podem pagar por isso.
Qual sua avaliação sobre a Reforma da Previdência?
Ela é absolutamente necessária para o País. Pode-se discutir alguns pontos, mas é fundamental retardar o início da aposentadoria em linha ao que já ocorre em países mais ricos. Se países ricos não se dão ao luxo de aposentar seus cidadãos na faixa dos 50 anos, como nós, que ainda não resolvemos questões básicas como educação e saúde, podemos nos dar ao luxo de mandar para casa cidadãos com 55 anos de idade em plena capacidade de trabalho.
E a Reforma Administrativa, especialmente no tocante ao funcionalismo público?
Falo em tese porque o texto não foi apresentado ainda. No serviço público, alguma estabilidade tem razão de ser em função da nossa cultura patrimonialista. É preciso evitar que o novo titular do poder executivo saia demitindo todos para contratar os seus. A mitigação deve considerar esses valores como a independência da administração em relação a quem está no poder ocasionalmente.
Qual sua avaliação do resultado das eleições na Argentina e da situação no Chile. O cenário político nos países vizinhos pode influenciar o trabalho dos órgãos de controle no Brasil?
Não creio que esses movimentos tenham influência em nosso sistema de controle. São movimentos pendulares de insatisfação com correntes que estão no poder. Em todos os países é natural uma certa fadiga com quem está no poder. Na Argentina, a situação econômica é mais grave que no Brasil. O governo Macri não foi capaz de fazer reformas em tempo para a economia crescer e, nessa situação, é comum que a população procure alternativas.
No Chile, a situação é diferente. Os índices são melhores que o Brasil. Talvez o que esteja mais próximo do Brasil é a desigualdade social. A desigualdade gera insatisfação na população. Há ressentimento na população que sofre com dificuldade em pagar ensino superior, com aposentados de baixa renda e sem uma saúde pública apropriada. Essa insatisfação crônica explodiu recentemente.
O cenário serve de alerta ao Brasil que é desigual. O Brasil tem que ter a redução da desigualdade como meta. Entender que a desigualdade é um problema não só moral, mas político e de estabilidade da sociedade, além de econômico. É uma trava ao crescimento da economia.
Sobre os observatórios sociais, como avalia a atuação dessas organizações da sociedade civil? Como os órgãos de controle podem se aproximar da sociedade civil organizada? É possível integrar controle externo e controle social?
Não só possível como desejável e necessário, com resultados potenciais excelentes para a sociedade. Já tem havido esse movimento de aproximação. Talvez mais por parte dos observatórios que buscam acesso à informação e capacitação dos voluntários junto aos órgãos de controle. O controle externo ganha uma rede de apoio de capilaridade que ele não tem e não deve ter porque controle tem custo. Então deve haver um tamanho ótimo de custo/benefício no sistema de controle. Poder contar com esse apoio dos observatórios é a melhor notícia dos últimos tempos na área de controle.